“... Ainda que eu falasse a língua dos homens..."

A Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios jamais foi tão moderna, tão contemporânea, como é hoje. Se tomarmos alguns minutos de nosso tempo, e abrirmos o Novo Testamento no décimo terceiro capítulo da Epístola, versículos 1 e 2, encontraremos a seguinte passagem:


“1 Ainda quando eu falasse todas as línguas dos homens e a língua dos próprios anjos, se eu não tiver caridade, serei como o bronze que soa e um címbalo que retine.

2 Ainda quando tivesse o dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios, e tivesse perfeita ciência de todas as coisas; ainda quando tivesse toda a fé possível, até o ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou.”


Desde tempos imemoriais, os homens sonham em falar uma língua comum, aceita internacionalmente. Não é de todo desconhecida a lenda bíblica sobre a Torre de Babel, mencionada no Gênesis 11: 4-9. Charles Berlitz, em seu livro “Native Tongues”, diz que a humanidade tem perseguido esse sonho já por muito tempo. Berlitz fala sobre os Maias, uma civilização que habitou a Península de Iucatán na antiguidade. Esse povo acreditava que, em uma terra longínqua do ocidente – um mundo perdido para eles, viviam homens que falavam uma língua comum.

As lendas chinesas também fazem referência a uma língua comum, falada por todos os homens. Quando aquela língua difundiu-se, mundo afora, sofrendo inúmeras alterações – conta a lenda – o universo mudou de curso e, desgovernado, tomou a direção errada.

Na mitologia persa, um espírito mau dividiu a língua que antes era comum em trinta idiomas diferentes, a partir dos quais originaram-se todas as línguas modernas. De acordo com as lendas gregas e romanas, os súditos de Júpiter, pai de todos os deuses, costumavam falar uma mesma língua. Mercúrio, outro deus romano, dividiu aquela língua comum em uma variedade de dialetos que vieram a se tornar as diversas línguas nacionais atualmente faladas.

A história moderna registra o jugo exercido por diversas línguas por todo o mundo, como forma de dominação. Essas línguas são geralmente impostas pelas nações mais poderosas, em detrimento das línguas nacionais, faladas pelos povos conquistados. A supremacia de uma nação sobre todas as demais e, algumas vezes, o que nos parece um mundo politicamente unificado, facilita a disseminação e reafirma o prestígio da língua dos povos conquistadores em detrimento de todos os demais idiomas existentes. Isso aconteceu com o Latim, com a ascensão do Império Romano; com o Árabe, quando o Islamismo disseminou-se, movido pelas invasões árabes no Ocidente; com o Francês, na época de Napoleão. Acontece hoje com o Inglês, em razão da supremacia política e financeira dos Estados Unidos.

As línguas não são apenas códigos diferentes, utilizados para a comunicação. Elas carregam consigo todas as idiossincrasias, a cultura, a essência de um povo. As línguas refletem os hábitos, as crenças e os preconceitos de uma nação. Por isso, muitas vezes, verifica-se uma resistência, entre os povos ditos dominados, em aceitar passivamente a língua dos conquistadores. É uma resistência sutil ao que se pode chamar de imperialismo lingüístico. De qualquer forma, é fato que há uma real necessidade de comunicação entre os diversos povos. E a forma mais fácil para a comunicação internacional é a adoção de um padrão único de linguagem. Esse padrão é, na maioria das vezes, a língua falada pelos mais poderosos.

Nos últimos duzentos anos, foram feitas várias tentativas de criar uma língua internacional padrão, isenta do ranço imperialista que, na maioria das vezes, carregam as línguas “naturais”, utilizadas na comunicação entre os povos. Infelizmente, essas tentativas não foram bem sucedidas. A maioria dos críticos diz que essas línguas fracassaram porque eram artificiais – não eram línguas vivas, dinâmicas como as naturais. O cerne da fraqueza de todas as línguas artificialmente criadas reside no fato de não estarem imersas em uma cultura realmente verdadeira – elas não possuem “aquela” peculiar característica humana. É por isso que línguas como Kosmos, Monoglottica, Universalsprache, Neo-latine, Veltparl, Idio Neutral, Mundolingue, Dil e Volapük nunca se sobressaíram, inversamente ao que ocorre com a língua inglesa.

De todas essas línguas, o Esperanto tem sido a mais longeva e difundida. Segundo os seus admiradores, existem mais de um milhão de falantes em todo o mundo – a maioria dos quais encontra-se no Brasil e no Japão.

Apesar de todas as tentativas de unificação do mundo por intermédio de uma língua comum, a humanidade ainda não obteve sucesso. Mas há uma razão simples para explicar o insucesso. Retomemos a leitura da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: ela poderá nos ajudar a compreender por que os homens ainda não estão prontos para falar uma única língua internacional. Paulo quis dizer, em uma interpretação bastante livre de seus escritos, é que os homens ainda falam com suas mentes, e não com seus corações. Mesmo quando conversam entre si, em suas línguas nativas, são incapazes de compreender-se mutuamente! O que nos poderá ajudar nessa difícil tarefa que é a comunicação entre a nossa própria espécie, mais do que uma mudança nas línguas que falamos, é uma mudança em nossas atitudes... mais do que falar, é preciso ouvir.

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